Na noite de 27 de Setembro de 1975 a embaixada de Espanha em Lisboa foi alvo de um assalto na sequência de uma manifestação convocada por forças de extrema-esquerda como protesto pela execução de cinco nacionalistas bascos pelo regime franquista. Este assalto foi precedido pelo ataque e destruição das dependências dos serviços de Chancelaria e do Consulado, na Rua do Salitre. Os manifestantes destruíram aqui tudo o que se encontrava no interior e não podia ser lançado pelas janelas, para ser queimado em fogueiras na via pública. Depois, os manifestantes dirigiram-se à Praça de Espanha, onde começaram por partir os vidros da embaixada, que foi depois assaltada, com o incêndio do recheio.
Nos primeiros dias de Setembro, todas as atenções se centram em Tancos.
O mês de Agosto fora particularmente agitado. Desde logo pela divulgação do Documento dos Nove e pela suspensão dos seus subscritores do Conselho da Revolução. As divisões no seio do MFA acentuam-se com a publicação, a 12 de Agosto, da Autocritica Revolucionária do COPCON onde se faz a apologia do poder popular. As ruas enchem-se de manifestações e acções de protesto. Recém-empossado como primeiro-ministro do V Governo Provisório, Vasco Gonçalves é alvo de crescente contestação, nomeadamente depois do polémico discurso que profere num comício em Almada, a 18 de Agosto, onde anuncia: “Chegou a hora da verdade da Revolução Portuguesa”. Dois dias depois, Otelo Saraiva de Carvalho proíbe Vasco Gonçalves de visitar as unidades militares integradas no COPCON e pede ao general que “descanse, repouse, serene, medite e leia”. O país incendeia-se com a luta política e a escalada de violência contra sedes e casas de trabalho do PCP e partidos de extrema-esquerda, sobretudo no norte e centro do país.
Se a definição programática e o decorrente processo de desagregação do MFA são uma das linhas de força do Verão Quente de 75, outra será, sem dúvida, a crescente pressão e agitação político-partidária. O confronto pelo poder em curso nas mais altas esferas militares reflete-se e é habilmente explorado pelos civis que, a par das ações empreendidas juntos dos centros de poder, utilizam as ruas como elemento de pressão. O que se joga nesses momentos é não só o papel do Conselho da Revolução na condução da vida política nacional mas o próprio destino da Revolução. Um combate decisivo para o qual há que congregar todos os esforços e que justifica o recurso a todas as estratégias.
ANGOLA
Em Angola, a situação no terreno conhece um substancial agravamento depois da assinatura dos Acordos do Alvor, dando lugar a uma guerra que rapidamente transcende as fronteiras. A correlação de forças parecia favorável ao MPLA, dada a sua implantação em Luanda e nas zonas urbanas, mas sobretudo graças à ajuda que recebe da URSS, Cuba e RDA. Apesar de menos bem-sucedidos, os outros movimentos colhem também importantes apoios nomeadamente da África do Sul (no caso da UNITA), Zaire, China (FNLA) e EUA. Se, num primeiro momento, é fácil percecionar as hesitações da administração Ford depois da traumática experiência do Vietname, a partir do Verão de 1975, torna-se cada vez mais evidente o seu empenho no sucesso das forças da FNLA mas também da UNITA.
O 25 de abril abriu Portugal à comunidade internacional. Portugal era um país isolado internacionalmente, mantendo relações diplomáticas com um número restrito de países e mesmo os seus aliados tradicionais, a Espanha e o Brasil, assim como os seus aliados na NATO, criticavam o governo português. Portugal não tinha relações com os países do Bloco Leste, nem com muitos dos países do Terceiro Mundo. Era regularmente condenado nas Nações Unidas e, nos últimos anos, vinha a ser expulso de várias das suas agências e organismos, como fora o caso da UNESCO.
As diferenças sociais e de acesso ao trabalho ou à posse da terra agudizaram-se em Portugal a partir da década de 1950, em particular através dos trabalhadores rurais do sul do país. Os latifúndios com mais de 100 hectares representavam apenas 6% do total das propriedades, mas, em contrapartida, cerca de 73% da área desse conjunto. Os grandes proprietários tinham, por seu lado, proteção e apoio legal do Estado Novo. Todavia, o número de pessoas com trabalho permanente e assegurado era reduzido, tal como os que conseguiam aí ter alguma terra própria ou relativa independência económica e laboral (os “seareiros”). Os trabalhadores por conta de outrem representavam a esmagadora maioria. Os salários eram baixos e as condições de vida más, principalmente durante as épocas mortas da agricultura (inverno). A crise do latifúndio nos anos 60 diminuiu a área de cultivo e os apoios à cultura do trigo, decrescendo ainda mais a oferta de trabalho, o que piorou a situação dos trabalhadores rurais e das suas famílias. O 25 de abril de 1974 alterou as relações sociais e fundiárias no sul, criando condições para uma mais justa distribuição da riqueza e da posse da terra.
A 7 de Agosto de 1975, véspera do dia previsto para a tomada de posse do V Governo Provisório, a 3.ª edição do Jornal Novo anuncia em manchete: “Documento Melo Antunes. O grupo não-radical propõe uma alternativa para a crise política”. A edição desaparece rapidamente das bancas. Por isso, no dia seguinte, o Jornal Novo volta a publicar o documento em primeira página, designando-o agora de “Documento dos Nove”.
Durante o ano de 1974, apenas havia sido formalmente reconhecida a independência do território de Guiné Bissau a 10 de setembro de 1974 e Goa, Damão e Diu como territórios pertencentes à Índia. A independência dos restantes territórios ocorreu em 1975: Moçambique a 25 de junho, Cabo Verde a 5 de julho, São Tomé e Príncipe a 12 de julho e Angola a 11 de novembro. O território de Timor Leste viu reconhecida a independência a 28 de novembro, tendo sido dominado pela Indonésia até 2002.
Logo a seguir às primeiras notícias do 25 de abril as câmaras de cinema começaram a registar os acontecimentos. Cineastas profissionais ou improvisados saíram para a rua e reuniram o material que constitui um registo histórico não só desse dia como das transformações que ocorreram na sociedade portuguesa. O cinema cumpriu em primeiro lugar a função de reportagem que hoje é desempenhada pela televisão.
A 25 de Abril de 1974 eram poucos os partidos e organizações políticas que tinham conseguido sobreviver nas duras condições da clandestinidade. Além do PCP, do recém-fundado PS e do MDP/CDE, e da limitada atividade política das organizações de extrema-esquerda, só um partido dominava a cena política – o partido do Regime, a Acção Nacional Popular.