O 25 de Novembro continua a ser um dos episódios mais polémicos e, em alguns aspetos, nebuloso, do processo revolucionário português. Existe um relativo consenso em torno da ideia de ter sido a ‘saída’ dos paraquedistas a determinar o desencadeamento das movimentações militares. Historiadores e protagonistas parecem também de acordo quanto ao facto do 25 de Novembro não se resumir a uma simples reivindicação, mais ou menos corporativa, dos paraquedistas. São também conhecidas, com algum detalhe, as principais ações levadas a cabo nesse dia. No entanto, a polémica subsiste, nomeadamente no que diz respeito à questão central: houve ou não uma tentativa de golpe de estado, mais ou menos minuciosamente preparada, e quais os seus autores? As opiniões dividem-se também relativamente a uma multiplicidade de questões, de cuja resposta depende, em última análise, a explicação deste episódio.
O 25 de Novembro, como acontecimento crucial do processo político português, foi o ponto de encontro de quase todos os projetos desenhados durante o PREC, confronto de correntes e suas alianças, de grupos e suas fações. Confluíram neste dia os planos traçados desde há muito, os que vinham de antes da Revolução, os que ficaram pelo caminho em 28 de setembro e em 11 de março e os que se construíram durante o verão quente de 1975.
O que podemos concluir hoje é que não era possível conviverem tantos poderes paralelos e tantos centros de decisão. Um dia, o confronto seria inevitável, e todos sabiam isso. E, de forma geral, todos se prepararam para essa inevitabilidade.
Por isso, o resultado do 25 de Novembro de 1975 continua a suscitar posições muito díspares e empenhadas. A maior parte dos protagonistas mantêm as suas razões e os seus pontos de vista, confirmando, com essa atitude, a importância dos acontecimentos na definição do regime construído em Portugal depois desse dia.
Vejamos os factos.
O mês de novembro inicia-se com atos de terrorismo por todo o país, com o Governo incapaz de suster os acontecimentos.
Os moderados preparam-se para a eventualidade de um confronto armado. São apoiados por uma comissão militar em que participam muitos oficiais sem história no movimento revolucionário.
Entretanto, as manifestações de rua prosseguem por todo o país a um ritmo insuportável, assumindo, cada vez mais, a disposição conflituosa dos contendores.
Neste ambiente, os moderados precisam de ocupar uma das últimas áreas do poder que lhes escapa – precisam de dominar o Região Militar de Lisboa. Assim, por decisão do Conselho da Revolução de 20 de Novembro, é nomeado para o seu comando, Vasco Lourenço em substituição de Otelo Saraiva de Carvalho. Os moderados sabem que esta nomeação, para além de traduzir uma necessidade fundamental para o posicionamento do seu xadrez, funciona como desafio às fações oponentes, capaz de servir de rastilho ao desencadeamento da ação militar esperada.
Evidentemente, a nomeação de Vasco Lourenço é frontalmente contestada pelos oficiais do COPCON e pelas unidades mais radicais.
A agitação cresce entre os paraquedistas, em Tancos. Mais de cem oficiais abandonam o Regimento e Morais da Silva, chefe do Estado-maior da Força Aérea determina a passagem à disponibilidade dos soldados. A recusa destes prenuncia uma insubordinação, mas o COPCON apoia a atitude dos paraquedistas. Torna-se impossível evitar o confronto militar!
Na manhã de 25 de Novembro, os paraquedistas ocupam quatro bases da Força Aérea e o Comando Operacional deste ramo, em Monsanto.
Os Nove estão preparados para enfrentar os acontecimentos. Apoiados no Regimento de Comandos, desencadeiam rapidamente ações de contenção. Ao mesmo tempo, vários centros intermédios de poder militar iniciam ações autónomas destinadas a disputar o domínio da situação. Contudo, a firme atuação política e militar do Grupo dos Nove, complementada com o comprometimento institucional de Costa Gomes, como Presidente da República e como Chefe do Estado-maior General das Forças Armadas, sobrepôs-se a estas iniciativas paralelas.
A temida capacidade militar dos grupos radicais esvaiu-se num dia apenas. Ninguém se moveu, a não ser os próprios paraquedistas. Isolados, carregando o peso de nova aventura, só tardiamente se puderem aperceber do logro em que caíram. A 28 de Novembro depuseram as armas.
Aniceto Afonso
Carlos Matos Gomes
Maria Inácia Rezola