A 25 de Abril de 1975, um ano após o derrube da ditadura, realizam-se as primeiras eleições livres, por sufrágio direto e universal. São as mais concorridas e participadas eleições da história da democracia portuguesa, com uma afluência de 91% dos cidadãos recenseados. Momento central da história da Revolução portuguesa, o processo eleitoral foi minuciosamente preparado e debatido.

O programa do MFA era bem claro a este respeito determinando a “convocação, no prazo de doze meses, de uma Assembleia Nacional Constituinte, eleita por sufrágio universal, direto e secreto, segundo Lei Eleitoral a elaborar pelo futuro Governo Provisório”. No entanto, o processo não esteve isento de polémicas sobretudo nos primeiros momentos da Revolução, quando António de Spínola procurou adiar estas eleições e fazer aprovar em referendo uma Constituição provisória (que no fundo substituiria o Programa do MFA). Paralelamente, sobretudo depois do 28 de Setembro, outras vozes se erguem contestando a pertinência da realização de eleições a curto prazo.

A 31 de Outubro, o Conselho de Estado aprovou na especialidade a primeira parte da lei eleitoral. Pouco depois, a 15 de Novembro são publicados os decretos-lei n.ºs 621-A/74 (recenseamento), 621-B/74 (interdita o voto aos que exerceram durante a ditadura determinadas funções públicas ou participaram em organizações antidemocráticas) e 621-C/74 que no seu conjunto ficaram conhecidos como Lei Eleitoral. Segundo o constitucionalista Vital Moreira, esta Lei foi “um dos grandes acquis révolutionnaires”, consagrando “um sistema avançadíssimo de legislação eleitoral, desde o recenseamento até às operações eleitorais, com duas traves mestras que ainda hoje se mantêm: primeiro, os círculos eleitorais de base distrital; segundo, o sistema proporcional segundo o método de Hondt”. Em todo o processo, a Comissão Nacional de Eleições revelou-se de extrema eficácia e competência.

Depois de sucessivos adiamentos, as eleições foram marcadas para 25 de Abril de 1975, no prazo limite estabelecido pelo Programa do MFA.

A campanha eleitoral arrancou a 2 de abril com grande entusiasmo mas também uma intensa disputa. O PCP e vários partidos de extrema-esquerda (MRPP, UDP ou LCI) que se reclamavam do marxismo-leninismo, protagonizaram uma verdadeira guerra de símbolos, dado que todos reivindicam a utilização da foice e do martelo. Paralelamente, alguns partidos – como o PDC, o MRPP e a AOC – veem a sua atividade política suspensa pelo Conselho da Revolução ficando, por isso, afastados da corrida eleitoral.

Apesar do clima de intenso debate, previsível naquelas circunstâncias, a campanha eleitoral decorre sem incidentes. Assinala-se, no entanto, um discreto clima de mal-estar e alguma tensão, em torno da polémica questão do “voto em branco”. Em causa, uma óbvia diferença de pontos de vista quanto à importância das eleições. De um lado os que, aconselhando o voto em branco “a todos os que não saibam em quem votar”, desvalorizam o peso das eleições. Advogam esta tese alguns elementos do Conselho da Revolução afetos à linha gonçalvista, uma parte importante da V Divisão e partidos políticos como o MES e o PCP. Opõem-se-lhes os que, como o PS, PPD e CDS, consideram a realização do ato eleitoral um passo importantíssimo para o processo de democratização.

Contando com uma ampla participação, as eleições saldam-se numa estrondosa vitória para o PS que, com 37,9% dos votos, consegue eleger 116 dos 250 deputados da Assembleia. Segue-se o PPD, como 26,4% e 81 deputados. Os grandes derrotados serão o PCP (12%, 30 deputados), o MDP/CDE (4,1% e 5 deputados) e, obviamente, os defensores do voto em branco. Apesar da difícil conjuntura que atravessara na sequência do 11 de Março, o CDS ocupa o 4.º lugar e faz eleger 16 deputados. Finalmente, a UDP e ADIM, com apenas um deputado respetivamente.

Conferindo uma nova legitimidade aos partidos políticos e aos defensores da via democrática parlamentar, as eleições possibilitam a convocação de uma Assembleia Constituinte. Palco de intensos debates e tensões, reflexo da luta mais ampla que percorre o país em Revolução, esta assembleia será responsável pela elaboração do texto fundador da democracia portuguesa – a Constituição de 1976.

Aniceto Afonso
Carlos Matos Gomes
Maria Inácia Rezola

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